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Simon Brown: "A Macrobiótica tem a reputação de ser muito restritiva. Queremos torná-la apelativa e orientada para soluções" 

Atualizado: 19 de nov.

Simon Brown: "É uma obrigação das velhas gerações tentarem refletir honestamente sobre a Macrobiótica que praticaram ao longo da vida e perguntarem o que podem passar para as novas gerações que seja melhor do que quando começaram. E é isso que estamos a tentar fazer com a Macrobiótica Integral"
Simon Brown: "É uma obrigação das velhas gerações tentarem refletir honestamente sobre a Macrobiótica que praticaram ao longo da vida e perguntarem o que podem passar para as novas gerações que seja melhor do que quando começaram. E é isso que estamos a tentar fazer com a Macrobiótica Integral"

ENTREVISTA DE VIRGÍLIO AZEVEDO


Porque é que a Macrobiótica se tornou tão focada na dieta e tão rígida após a introdução da dieta macrobiótica padrão por Michio e Aveline Kushi no início da década de 1980?

A Macrobiótica era uma filosofia de vida apoiada em dez tipos de dietas com alimentos naturais, incluindo a dieta número sete, com 100% de arroz integral. Mas, no início, alguns praticantes ficaram doentes e morreram por só comerem arroz integral e, desde essa altura, houve alguma investigação no movimento macrobiótico e Michio Kushi quis mostrar que a alimentação era mais variada, era uma dieta-padrão que acabou por se tornar a dieta normal na Macrobiótica.

A Macrobiótica tornou-se num modo de vida, mas muitas pessoas acharam que era só uma dieta, ideia que se tornou muito popular, principalmente quando o Dr. Anthony Sattilaro, físico e ativista vegetariano americano e presidente executivo do Hospital Metodista de Filadélfia, publicou em 1982 um livro em que descrevia como a alimentação macrobiótica o curara de um cancro na próstata com várias metástases ósseas, que lhe tinha sido diagnosticado aos 49 anos. Então, milhares de pessoas com cancro aderiram à Macrobiótica. E depois, muitas tornaram-se também vegetarianas (ver em https://en.wikipedia.org/wiki/Anthony_Sattilaro). Mas havia dois grandes problemas bastante difíceis de resolver. O primeiro era que uma pessoa tinha de gastar várias horas por dia na cozinha para cozinhar toda a comida macrobiótica. O segundo era que as pessoas experimentavam a Macrobiótica durante pouco tempo e depois abandonavam, devido às exigências de mudança do estilo de vida. Assim, houve uma grande adesão nos anos de 1980, mas depois, nas escolas macrobióticas que, entretanto, surgiram, os alunos descobriram que era uma opção muito restritiva, fanática e difícil de praticar. Assim, precisamos de atualizar a Macrobiótica vinda dos anos de 1980, porque o que sabemos hoje é que, provavelmente, os tais 10 tipos de dietas têm a ver com a alimentação natural, mas não precisamos de ser tão restritivos no longo prazo. 


Esta situação explica porque é que, mais de 40 anos depois, a Macrobiótica tem uma influência tão reduzida na sociedade, tanto em termos de dieta como de ideias dominantes, estilo de vida e políticas públicas de saúde, nutrição e bem-estar?

Explica, devido à forma restrita e fanática como a Macrobiótica foi divulgada e ensinada. Hoje há o vegetarianismo, o veganismo e só depois vem a Macrobiótica. A minha experiência nas consultas que tenho feito é que as pessoas concordam em introduzir na sua dieta cereais integrais, leguminosas, vegetais, mas quando começamos a dizer que devem evitar o tomate, a fruta crua ou a salada crua, tudo se torna mais difícil, e penso que depois de um ano, as pessoas não se sentem mais saudáveis porque fizeram uma dieta muito restrita e provavelmente têm deficiências nutricionais e outros problemas, o que as faz tentar outras alternativas. A Macrobiótica tem a reputação de ser muito restritiva e fanática e não é atrativa para muito gente.

Provavelmente outro problema é que na Macrobiótica, quando há um grupo de pessoas que investe de forma entusiástica em certas ideias, há o risco de se isolarem de todas as outras pessoas, falam apenas com quem tem as mesmas ideias, e ficam tão afastadas da sociedade normal que esta não vê a Macrobiótica como uma possibilidade de alternativa de vida, com todas as teorias, princípios e muitas regras, ideias e restrições que tem. E onde as pessoas são constantemente encorajadas a ir mais longe. Se estes grupos de pessoas tiverem amigos na sociedade normal e os ajudarem, deixam de ser tão fechados.   


As gerações pioneiras de professores e consultores macrobióticos já faleceram ou estão prestes a desaparecer. E novas gerações estão a surgir. É por isso que faz sentido debater a proposta da Macrobiótica Integral neste momento?

Sem dúvida, penso que é uma obrigação das velhas gerações tentarem refletir honestamente sobre a Macrobiótica que praticaram ao longo da vida e perguntarem o que podem passar para as novas gerações que seja melhor do que quando começaram. E é isso que estamos a tentar fazer com a Macrobiótica Integral. Olhar para a nossa experiência, para o que ensinámos e aconselhámos durante muito tempo. E partirmos de um Mundo ideal para vermos o que devemos mudar para ser melhor. E termos algo para dar aos outros com um novo começo, de modo a não gastarem 30 ou 40 anos da sua vida a tentarem compreender a Macrobiótica.

Com a experiência que temos, a nova geração pode dar um salto. E devemos encorajá-la a atualizar-se, porque a Macrobiótica não pode ser algo fixo, que nunca muda. Na verdade, estamos sempre a falar de mudança na Macrobiótica, de pensar por nós próprios, do “non credo”. Assim, temos de avançar de uma forma flexível, adaptável, mutável. É isso que a geração mais antiga quer transmitir: a ideia de a nova geração começar com alguma coisa que foi atualizada.      


A Macrobiótica Tradicional sempre se focou na transformação individual para tornar o mundo mais harmonioso, pacífico e próximo da Natureza. O IMP - Instituto Macrobiótico de Portugal, por exemplo, costumava ter entre 200 a 300 alunos por ano nos seus cursos. Há milhares de alunos espalhados pelo país, mas não sinto que tenham uma influência real na sociedade portuguesa. Será que focarmo-nos apenas na transformação individual significa que a energia da mudança se dispersa (Yin) e tem um impacto reduzido na sociedade?

Sim, porque quando nos concentramos demasiado no indivíduo, porque na Macrobiótica se fala da responsabilidade individual, da ideia de liberdade, de que cada um deve ser livre, as aulas em si ensinam como viver saudável, ter uma vida longa, diminuir o risco de estar doente. Enfim, a Macrobiótica tornou-se um movimento individualista.

Penso que para o movimento ter mais influência na sociedade tem de ser mais colaborativo, onde as pessoas se devem ajudar umas às outras, e hoje sabemos que, se ajudamos outras pessoas, tendemos a ser felizes e saudáveis. Por isso, nos meus cursos eu digo sempre: o que vocês aprendem hoje, ensinem aos vossos amigos e familiares. É o espírito da parábola “Um grão, dez mil grãos”, de semear uma planta que dá várias sementes, que dão várias plantas e por aí adiante. E isso perdeu-se nos anos de 1980, 1990 e 2000, e o movimento macrobiótico não se tornou realmente sustentável.

Se um praticante da Macrobiótica influenciar oito pessoas, por exemplo, e se algumas destas pessoas, que têm também um círculo de amigos e familiares, influenciarem mais gente, temos um o movimento de “grãos” que pode chegar muitas pessoas. Tivemos um pouco isso nos anos de 1970 e 1980, mas depois o movimento macrobiótico tornou-se mais individualista, restritivo e fanático. E os praticantes começaram a ficar mais constrangidos em falarem sobre um assunto tão extremado aos seus amigos e familiares.   


É curioso, porque a Macrobiótica foi trazida do Oriente, onde o coletivo é mais importante que o individual. Será que se tornou diferente no Ocidente para estar mais adaptada à nossa cultura mais individualista?

Talvez. Até porque não é só a Macrobiótica, são também muitos outros movimentos. É o caso do Instagram e das redes sociais em geral, onde as pessoas andam a falar todo o tempo de si próprias. É um comportamento muito narcisista e egoísta. Hoje temos de ir na direção contrária, na criação de grupos e na colaboração entre as pessoas. É um trabalho difícil, mas devemos apostar nele.

 

O sentido de comunidade na Macrobiótica Integral pode levar a algum tipo de intervenção coletiva (Yang), organizada, na sociedade?

Esse é um dos nossos objetivos com a proposta da Macrobiótica Integral. No início tínhamos um movimento mais hierarquizado, como já referi, um grupo de professores e consultores liderados pelo Michio e a Aveline Kushi no topo que ensinavam uma série de estudantes. A seguir veio uma nova geração, com o Francisco Varatojo e outros, incluindo eu próprio. Depois, o movimento macrobiótico tornou-se mais horizontal e fragmentado. A ideia da Macrobiótica Integral é apostar no diálogo, no debate coletivo, não é dizer às pessoas o que devem fazer ou o que devem ensinar. É antes um diálogo onde as pessoas partilham as suas ideias, contam o que fazem e colocam perguntas uns aos outros, tentando integrar as pessoas no coração da Macrobiótica Integral. É uma tarefa desafiante, porque é diferente do que foi feito antes, mas no final as pessoas vão sentir os benefícios deste processo, que está orientado para a criação de uma comunidade natural e para espalhar de forma mais eficaz o movimento macrobiótico.


Se defendemos um mundo mais harmonioso, pacífico e próximo da Natureza, e não é isso que acontece hoje, significa que também somos coletivamente responsáveis ​​pelos problemas de saúde pública, pelos problemas ambientais, pela violência doméstica ou pela pobreza que existem em Portugal? Ou pelo que está a acontecer com as guerras na Ucrânia, em Gaza ou no Sudão?

Sim e não! Sim porque somos parte da espécie humana e podemos influenciar o curso dos acontecimentos, mas o movimento macrobiótico tem estado muito isolado, muito fanático e muito extremado. Temos de nos virar para fora, para as outras pessoas, dialogar. Houve uma época em que as pessoas do movimento macrobiótico eram arrogantes, diziam que a Macrobiótica era a única solução, o que nos impedia de trabalhar com outras pessoas, porque elas não queriam trabalhar connosco. Tudo isto não ajudou. Mas ao mesmo tempo, para tornarmos o movimento apelativo temos de estar felizes e positivos, aproveitando a vida e tornando-nos a nós próprios atraentes, construtivos e orientados para soluções, trabalhando em conjunto e melhorando o Mundo e a Humanidade em geral.

 

 
 
 

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