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Rik Vermuyten: “Ser feliz é uma decisão pessoal, mas a ideia dominante na sociedade ocidental é que precisamos de alguma coisa de fora para nos fazer felizes” (PARTE 1)

Atualizado: há 4 dias

O conhecido professor e consultor belga de Macrobiótica esteve em maio em Lisboa, ocasião em que o blog "Os Três Pilares do Bem-Estar" o entrevistou. Rik Vermuyten deu também na mesma altura uma palestra no restaurante Alecrim aos Molhos sobre o tema "Alimentos invisíveis e visíveis - Como criar a sua saúde todos os dias". O professor foi um dos fundadores do East West Center de Antuérpia, em 1978, e de várias escolas de acupunctura, tendo dado aulas numa grande diversidade de institutos, escolas e fundações na Europa, EUA e Israel como professor convidado. Mas desenvolveu a sua atividade principalmente na Europa, nomeadamente no Anglo-Dutch College of Acupuncture em Hilversum (Holanda), onde foi professor principal e supervisor, no MIA - Macrobiotic Institute of Antwerp (Bélgica), onde foi diretor, no Instituto Feng Shui de Bolonha (Itália), no Instituto Macrobiótico de Portugal; no Instituto Macrobiótico de Valência, na Escuela de Vida de Madrid e em Sada, na Corunha (Espanha); e no Makrobiotik Zentrum Koeln, em Delbrueck (Alemanha). Ao todo deu cerca de 4000 aulas, conferências, seminários e workshops em várias línguas. E trabalhou e conviveu com todos os grandes divulgadores da Macrobiótica.


 

Tiraste uma licenciatura em Química Clínica e trabalhaste no Departamento de Medicina Nuclear do Hospital da Sagrada Família em Antuérpia, na Bélgica, no início da tua carreira profissional. Como surgiu há mais 45 de anos o teu interesse e a tua aposta profissional na Macrobiótica? No hospital eu era o chefe tecnológico do departamento, fazíamos exames e radioterapia a pessoas com cancro com a energia nuclear. Mas, entretanto, eu estava já a fazer outras coisas. Aliás, quando tinha 17 anos encontrei um livro que explicava as relações com o Yin e o Yang e também outras coisas: falava dos órgãos do corpo humano, de medicina chinesa, o Yin e Yang nos meridianos, e fiquei muito contente porque, finalmente, o livro dava algumas respostas para as minhas perguntas. Nessa altura havia um grande movimento macrobiótico na Bélgica, especialmente na região da Flandres. Cada cidade, vila ou aldeia tinha uma loja de alimentos naturais, onde havia produtos macrobióticos, foi um movimento muito forte nos anos 1970 e 1980. Havia o vegetarianismo, havia a divulgação da filosofia de Zaratustra, que era um pequeno movimento, e havia a Macrobiótica, que era o maior movimento de todos.


Mas como se deu a mudança da medicina nuclear para a Macrobiótica? Bom, comecei a estudar a Medicina Oriental e a Macrobiótica, enquanto ainda trabalhava no hospital, bem como Homeopatia, Fitoterapia, Permacultura, Acupunctura, Moxabustão, Iridologia, Bioquímica, Nutrição, Filosofia Oriental, enfim, estudava o tempo todo, nunca parava. Estudei também Naturopatia e muitos tipos diferentes de medicina natural, e para ter capacidades nesta área estudei também Anatomia e Fisiologia, Patologia, etc. E depois especializei-me em Homeopatia e Medicina Oriental, tornei-me um acupunturista, fundei ou cofundei escolas na Bélgica, mas para fazer todos estes estudos fui para os Países Baixos, porque na altura estavam mais avançados nestas áreas. O Movimento Macrobiótico era forte na Bélgica, mas as boas escolas de Medicina Oriental ou Acupunctura não estavam aí.


E noutros países europeus? Havia boas escolas no Reino Unido, em França, nos Países Baixos estavam a maior parte dos professores, mas tinham sido formados por professores franceses, que obtiveram toda a informação nestas áreas da China. Quando fui para a escola de Acupunctura era ao mesmo tempo um estudante e um professor (risos), porque sabia tanto sobre Yin e Yang que pude ensinar no primeiro, segundo e terceiro anos da escola.

Agora tenho 74 anos, mas ainda há muitas coisas para estudar. Claro que usando o princípio do Yin e Yang, estudar como tudo funciona é mais interessante, a Macrobiótica é muito mais do que a alimentação. Comecei em 1972 a fazer agricultura biológica e permacultura e tenho uma grande horta perto de Orense, na Galiza, em Espanha, onde as pratico. Neste momento não tenho uma horta na Bélgica e, por isso, estou constantemente a viajar para a Galiza, embora tenha a ajuda de um agricultor local. Quando não estou lá, é ele que toma conta da horta biológica.


Tens filhos? Sim, tenho quatro filhos.


Com que divulgadores importantes da Macrobiótica conviveste e trabalhaste? Oh, com todos! Com os professores americanos também, porque naquela altura havia ainda muitos que aprenderam com George Ohsawa, que já tinha morrido. Havia um grande centro em Antuérpia, o East West Center, de que fui um dos fundadores, e a nossa filosofia era convidar toda a gente, porque tínhamos mais pontos de vista Yin e Yang. Além de 15 a 20 professores de Macrobiótica, tive cerca de 25 a 30 professores chineses, porque estudei Medicina Chinesa. Havia, assim, uma grande quantidade de informação. Michio Kushi foi o meu principal professor. Em 1975 deu um seminário de nove dias em Londres e, apesar de eu já ter lido antes muitos livros do George Ohsawa, estive lá e foi um momento muito especial, mais simples, mais claro, mais explicativo. Nos livros do Ohsawa, uma só página dava para fazer uma palestra (risos), era tudo muito condensado. Ohsawa tinha um grande humor, mas era muito exigente com os seus alunos.


Além de seres consultor e professor em cursos online, continuas com essas atividades a nível presencial por toda a Europa? Agora muito menos do que no passado. Fiz um esforço para realizar menos coisas do que antes, quando em cada fim-de-semana estava num país diferente, num centro diferente a ensinar Medicina Oriental ou Macrobiótica. Nos anos 80 ou 90 do século passado estava sempre extremamente ocupado, com duas a três palestras por semana (risos), na Europa, nos EUA, em Israel, mas principalmente na Europa. Agora o ritmo da minha vida abrandou, e com a minha horta em Orense ainda mais. Ao mesmo tempo houve muitos centros macrobióticos que fecharam ou mudaram os seus cursos para o formato online e, por isso, já não preciso de viajar tanto como antes. Claro que gosto de viajar, é sempre interessante ir para lugares que não conheço e ter novas experiências, e gosto especialmente dos centros históricos das cidades, das zonas mais antigas, onde está o espírito dessas cidades. Os cursos e palestras online têm uma vantagem: os alunos não precisam de viajar, de marcar hotéis ou restaurantes, é tudo mais fácil para eles. E, além disso, permitem atrair mais estudantes. Mas também há uma desvantagem, porque o contacto não é presencial, e estar presente é uma parte do autoconhecimento, o que é muito importante.


Portanto, neste momento vives na Bélgica? Vivo principalmente na Bélgica.


A Bélgica é um país onde a Macrobiótica é muito popular? Era muito popular, extremamente popular nos anos 70 e 80 do século passado, mas depois veio o movimento New Age, que defendia modos de vida, práticas e crenças espirituais que cresceram rapidamente no mundo ocidental durante a década de 1970. E as pessoas começaram a pensar que a Macrobiótica exigia muito tempo para estudar e cozinhar, e procuraram soluções mais fáceis, porque a verdade é que a Macrobiótica é uma parte importante da nossa vida. Havia muitas tendências na New Age e a Macrobiótica manteve-se apenas como uma delas, com menos pessoas a interessar-se por ela. Agora está a renascer um pouco, há um novo interesse das pessoas por saber como usar a culinária e a comida para recriar a nossa saúde, bem como outras áreas da Macrobiótica, como o estudo do Yin-Yang.


E o que se passa noutros países? É um pouco a mesma coisa. Houve um grande Movimento Macrobiótico nos anos 70 e 80 do século passado e depois não desapareceu completamente, mas tornou-se muito menos ativo. Se eu recordar todos os centros onde ensinei no passado, 90% deixaram de existir!


A mudança de hábitos de alimentação e de forma de vida que a Macrobiótica implica não é fácil para a maioria das pessoas? Do ponto de vista da filosofia oriental, tudo

muda, exceto o princípio de que tudo muda (risos), o que exige esforços das pessoas. E a cultura ocidental não promove o esforço. Faz tudo por nós, dá-nos medicamentos, dá-nos tudo para ficarmos como estamos, e queremos que as soluções sejam imediatas. Temos uma cultura dualista, e ficamos com a ideia de que a causa de tudo vem de fora e, por isso, a solução também tem de vir de fora. O que vem de fora é a origem de qualquer problema, venha ele da sociedade ou de uma bactéria e, portanto, é o que está fora de nós que é responsável por resolver o problema e nunca nós próprios. É dividir a realidade, mas com o ponto de vista de que nós não somos responsáveis.


Esta situação faz-me lembrar uma frase famosa: “A felicidade não é o que procuramos na vida, a felicidade é o que trazemos para a vida!” No nível da consciência, temos de decidir ser felizes. É uma decisão nossa. Mas o ponto de vista dominante na sociedade ocidental é que precisamos de alguma coisa de fora para nos fazer felizes, o que nos faz dependentes. Preciso deste tipo de trabalho, deste tipo de parceiro, deste tipo de dinheiro, deste tipo de situação, que me fará feliz. Qualquer coisa que vem de fora é que me vai fazer feliz, em vez de decidirmos por nós. Por outro lado, focamo-nos na diferença – de personalidade, de país - entre as pessoas, e não naquilo que nos une. Porque quando nos definimos a nós próprios, é aí que o problema começa.

Dizemos: sou um ser humano, o que significa que automaticamente tudo o que existe no Mundo e que não é um ser humano está separado de nós. Dizemos: sou um homem, portanto separamo-nos de todas as mulheres. E sou um homem que fala, o que significa que nos separamos de quem não fala. E por aí adiante: sou um homem que fala e que tem um determinado tipo de trabalho, etc. Ou seja, quanto mais nos definimos, aquilo a que chamamos identificação, mais nos separamos do resto do Mundo. Porque definir significa estabelecer fronteiras. E assim ficamos cada vez mais pequenos e divididos de tudo o resto, em vez de estarmos unidos.


No fundo estás a falar do ego… Sim, o ego assume a identificação. Somos uma entidade e construímos uma identidade. Quanto mais fazemos definições, mais identidade surge. Se disser que sou um espírito, é mais do que uma identidade, porque tudo é espírito. Se formos para a filosofia dos índios da América do Norte ou para a Filosofia Oriental tudo é espírito, o espírito da água, do ar, do rio, da montanha, da abóbora, da cebola.


Em fevereiro passado Phiya Kushi, filho de Michio Kushi, publicou um artigo em que tenta explicar porque é que professores importantes de Macrobiótica morreram prematuramente de cancro e outras doenças sobre as quais escreveram, investigaram e orientaram muitas pessoas a recuperar. Phiya Kushi diz que tudo isto está associado às emoções. Qual é o teu ponto de vista? Sei que o artigo foi publicado, mas ainda não o li. De qualquer maneira, o meu ponto de vista é o seguinte: esses professores caíram numa série de armadilhas. Armadilha número 1: há muitos livros na Macrobiótica que falam na prevenção do cancro, das doenças cardiovasculares, etc. Se falamos de prevenção, e até a medicina moderna está a seguir lentamente nessa direção, a orientação é ainda contra a doença. Mas se é assim, para onde vai a tua energia espiritual? Para a doença. Tudo cresce, se origina e se expande com energia, e se tu dás a tua energia à doença, mesmo com a ideia da prevenção, ela vai também para a doença. Se tu queres criar saúde, a tua energia deve ir para a saúde. Assim, há um grande erro: a prevenção torna as pessoas doentes, porque a energia é orientada para a doença, em vez de criar saúde!


Isto significa também que, se só tivermos uma alimentação Macrobiótica feita para pessoas doentes, podemos também ficar doentes? Sim. Muita gente escolhe um sistema de alimentação Macrobiótico, vegetariano, vegan, keto, etc., contra qualquer coisa (o keto é um sistema alimentar com baixo teor de hidratos de carbono e alto teor de gordura). Temos um mecanismo psicológico que até os próprios psicólogos não compreendem (risos), mas do ponto de vista do Yin-Yang, se tivermos resistência contra qualquer coisa, ou seja, se dermos a nossa energia àquilo a que resistimos, persiste ainda mais, ou seja, quanto mais estamos contra uma coisa mais a obtemos. Só que este princípio psicológico é raramente usado e compreendido. No fundo devemos perguntar: ao que é que eu dou a minha energia? Se quero criar alguma coisa, tenho de dar a minha energia àquilo que pretendo criar, e não àquilo que não pretendo criar! Porque se assim for, a resistência será muito forte e dá-nos mais e mais o que não queremos.


CONTINUA

 

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