Rik Vermuyten (2): “Se não desenvolvermos a consciência para além dos níveis físico e sensorial, obviamente que ficamos doentes” (PARTE 2)
- Virgílio Azevedo
- 13 de jul.
- 9 min de leitura
Atualizado: 29 de ago.

O conhecido professor e consultor belga de Macrobiótica esteve em maio em Lisboa, ocasião em que o blog "Os Três Pilares do Bem-Estar" o entrevistou. A primeira parte da entrevista já foi publicada neste blog e segue-se agora a segunda parte. Recorde-se que Rik Vermuyten deu também na mesma altura uma palestra no restaurante Alecrim aos Molhos sobre o tema "Alimentos invisíveis e visíveis - Como criar a sua saúde todos os dias". O professor foi um dos fundadores do East West Center de Antuérpia, em 1978, e de várias escolas de acupunctura, tendo dado aulas numa grande diversidade de institutos, escolas e fundações na Europa, EUA e Israel como professor convidado. Mas desenvolveu a sua atividade principalmente na Europa, nomeadamente no Anglo-Dutch College of Acupuncture em Hilversum (Holanda), onde foi professor principal e supervisor, no MIA - Macrobiotic Institute of Antwerp (Bélgica), onde foi diretor, no Instituto Feng Shui de Bolonha (Itália), no Instituto Macrobiótico de Portugal; no Instituto Macrobiótico de Valência, na Escuela de Vida de Madrid e em Sada, na Corunha (Espanha); e no Makrobiotik Zentrum Koeln, em Delbrueck (Alemanha). Ao todo deu cerca de 4000 aulas, conferências, seminários e workshops em várias línguas. E trabalhou e conviveu com todos os grandes divulgadores da Macrobiótica.
VIRGÍLIO AZEVEDO
Na primeira parte desta entrevista falámos de um artigo onde Phiya Kushi tenta explicar, através das emoções, porque é que professores e consultores importantes de Macrobiótica morreram prematuramente de cancro e de outras doenças. A tua explicação é diferente, dizes que há muitos livros na Macrobiótica que têm cometido um grande erro: falam na prevenção, que torna as pessoas doentes, porque a energia é orientada contra a doença, em vez de criar saúde. Podemos aplicar a mesma ideia a tudo o que acontece no Mundo? Por exemplo, se formos apenas contra a guerra em Gaza e não aceitarmos a realidade como ela é, nunca conseguiremos compreendê-la nem contribuir para a paz nesta região?
Sim. As plantas ou os pombos aceitam a realidade como ela é. Se está vento ou chuva ou Sol, as árvores não dizem: está muito frio, está muito calor. Não fazem interpretações. Mas nós, humanos, pomos muitas vezes um rótulo positivo ou negativo que fica preso à realidade. E a verdade é que não há positivo sem negativo nem negativo sem positivo. Mesmo as pessoas que se dizem positivistas, são extremamente negativas em relação à negatividade. Por isso, o que obtêm é mais negativo, porque resistem à negatividade de uma forma muito forte para serem positivas. Ou seja, nunca se sentem positivas porque dão toda a energia para serem negativas contra a negatividade (risos)!
O que tem tudo isto a ver com os níveis de consciência?
Nós temos sete níveis de consciência: físico, sensorial, sentimental ou emocional, intelectual ou inteligente, social, ideológico e espiritual. Podemos começar com o físico, o nosso corpo começa fisicamente, e devemos aumentar a nossa consciência sempre para um nível superior para percebermos o Yin-Yang. Mas o nível invisível da realidade, como os sentimentos, pensamentos, comportamento, atitude, filosofia, convicções, paradigmas ou crenças, é a maior parte dela. O problema é que nós não a vemos! A realidade física e sensorial é como o topo do iceberg, tudo o resto está debaixo de água, porque não vemos as coisas invisíveis, e se não desenvolvermos a consciência para além dos níveis físico e sensorial, obviamente que ficamos doentes! É normal!
Se não desenvolvermos níveis de consciência mais elevados, como poderemos lidar com os sentimentos?
Um sentimento vem de um pensamento, portanto temos de olhar para o que é o pensamento, qual é o efeito do pensamento. É um efeito Yin ou Yang? Cria um sentimento Yin ou Yang? E a nossa mente é tão rápida que imediatamente faz uma interpretação do sentimento, que choca e decide a emoção, digamos assim. A emoção é o resultado da interpretação de um sentimento, porque se escolhermos um pensamento, podemos senti-lo e experienciá-lo completamente, e depois ter uma lição dele, tirar uma conclusão e então abandoná-lo. Nos cinco níveis mais elevados do estudo da vida, o estudo do Yin-Yang no Movimento Macrobiótico tem sido muito fraco, apesar de esses níveis corresponderem a 5/7 da realidade. Só que nunca foi pensado assim, é apenas levemente abordado aqui e ali. Nesse sentido, não é realmente da Macrobiótica que estamos a falar, porque temos de estudar o Yin-Yang nos sete níveis e não apenas em um ou dois, o que torna o estudo muito incompleto. Mas o funcionamento da saúde é completo, holístico. Estudando apenas dois níveis, não vai funcionar, é demasiado pequeno, é ter a mente pequena focarmo-nos apenas nos níveis físico e sensorial. Por isso não estou surpreendido que muitas pessoas tenham cancro. Era expectável. Se não soubermos o Yin-Yang muito bem, também não percebemos o conceito das cinco transformações da Filosofia Oriental (os cinco estágios de mudança energética de todos os fenómenos naturais, incluindo o corpo humano - Árvore, Fogo, Solo, Metal e Água).

Entretanto, tens argumentado que há uma segunda armadilha (Armadilha número 2) onde muita gente que pratica a Macrobiótica cai, a armadilha da realidade física.
É verdade. A Macrobiótica é parte da Medicina Oriental, e a Medicina Oriental é principalmente sobre a energia e o espírito. Esta é que devia ser a orientação, em vez de se considerarem apenas os níveis físico e sensorial. A realidade física é como os dois níveis do iceberg que estão fora de água, que são visíveis. Mas os outros cinco níveis da consciência, invisíveis, estão debaixo de água. Concentramo-nos apenas no topo do iceberg, fora de água, ou vemos para além da realidade física e sensorial? É que a origem da energia física e sensorial é a parte invisível e as emoções são apenas a linha de fronteira. Há muito mais. Qual é o efeito de pensarmos que somos felizes? Quais são os órgãos do nosso corpo que são afetados por isso? Como é que a energia flui neles? E se pensarmos que não valemos nada? Qual é o efeito? É um pensamento muito profundo na nossa sociedade, as pessoas não se sentem valorizadas. Se déssemos valor ao nosso corpo comíamos o lixo do supermercado? As pessoas tomam conta dos seus carros com o combustível e os óleos certos, com manutenção, limpeza e controlo regulares, ou seja, o valor do seu carro é mais elevado do que o valor do seu corpo (risos). E é tão ridículo, porque comem todo o lixo e toxinas do supermercado, e depois ficam surpreendidos por adoecerem. E quando vão ao médico, querem que ele lhes dê toxinas mais fortes através dos medicamentos. E se estiverem mesmo muito doentes, querem ainda coisas mais fortes, como radiações e quimioterapia. Como isto é ilógico! E ainda esperam tornar-se saudáveis? É impossível! É a resistência contra a doença, fazer tudo para matar a doença, mas onde está a sua energia? Na doença. Por isso só pode ficar doente.
Este é, portanto, o ponto de vista energético?
Precisamente. A Medicina Oriental olha realmente para energia em todos os aspetos: espiritual ou físico ou sensorial. É tudo energia! E se nos focarmos demasiado nos aspetos físicos da comida e da culinária, podemo-nos esquecer de que o foco deve ser sobre a energia. O corpo é o último ponto, mostra o resultado da forma como lidamos com a energia nos sete níveis da consciência. Tudo é materializado se passar antes, em termos de espiral, por todos os níveis de energia. Por exemplo, temos um problema físico no nosso fígado. O que devo fazer no aspeto sensorial? Como devo lidar com as emoções que afetam o fígado? Estou sempre cheio de vida ou estou zangado, irritado? É essa a diferença no fígado e na vesícula biliar. A seguir devo perguntar: que pensamento provoca este tipo de sentimento? Este pensamento vem da minha atitude. Claro que há pensamentos que vêm da nossa educação e que nós aceitamos. E que tomamos por garantidos, não considerando qual é a energia que têm esses pensamentos. Fazem-me feliz ou doente? Devemos estudar como funciona a polaridade em todos os aspetos da nossa vida. Comer bem sem o Yin-Yang é impossível! Porque precisamos de saber como nos devemos adaptar ao clima, ao sítio onde vivemos, à nossa idade e sexo, ao nosso trabalho. Sem o Yin-Yang não conseguimos adaptar a nossa alimentação a todas estas situações, é impossível.
Hoje, orientações alimentares alternativas como o veganismo, o vegetarianismo, o keto, etc. são de algum modo baseadas no Yin-Yang?
Todas as semanas há uma alternativa nova, mas essas orientações alimentares nunca são baseadas no Yin e no Yang. O que significa que são orientações no mínimo incompletas. Em vez de estudos usando o Yin e o Yang, tornam-se teorias motivadas pelo uso de suplementos, minerais ou sentimentos, como não querer matar animais. Mas a verdade é que os vegetarianos matam plantas para se alimentarem. Afinal, querem ser seletivos no que matam e não matam? E argumentam que os animais têm uma filosofia e um espírito diferente? Mas não têm. Ao cortarmos os vegetais estes têm menos valor ou são menos espirituais? O que eu quero dizer com isto é que sem estudos avançados de forma permanente, contínua, de todos os aspetos da vida no Yin e no Yang, não conseguimos ter harmonia na nossa vida! Não podemos crescer! As pessoas acabam por recuar para coisas físicas porque é mais fácil.
Que temas abordaste na palestra que fizeste recentemente no restaurante Alecrim aos Molhos, em Lisboa?
Falei sobre temas como criar a nossa saúde, e expliquei alguns mecanismos do nosso corpo, a diferença entre homem e mulher e porque devemos olhar para todos os aspetos da nossa vida. Abordei também a orientação Yin e Yang, bem como o que é o nosso espírito, convicções, crenças e impressões sensoriais. E se queremos ter saúde, usamos coisas que vêm de fora, como a comida, que é como um material de construção. Mas mesmo na nossa antiga filosofia no Ocidente, o corpo é a casa do espírito ou o templo da alma. Isto significa que devemos construir o nosso corpo como uma casa.
E por onde começamos a construir uma casa?
A maior parte das pessoas pensa que é pelas fundações, mas não é (risos)! Começa por um sonho, e se não conseguimos traduzir o sonho num plano, vamos a um arquiteto. Mas é o nosso sonho, o arquiteto somos nós. Portanto, se queremos ser saudáveis, precisamos de um plano para criar saúde. Se lutarmos contra a doença, não funciona. É como apanharmos um táxi e o condutor perguntar onde queremos ir. Ele nunca pergunta onde não queremos ir. Mas muitas pessoas funcionam assim: querem ser saudáveis, mas focam-se naquilo que não querem. Portanto nós temos de ser o arquiteto, depois o construtor, e os nossos órgãos são os trabalhadores que constroem a casa. Mas seria ilógico eles usarem materiais que não querem. Por isso devemos pelo menos comer alimentos biológicos e usar o Yin e o Yang para saber o que o nosso corpo precisa. A ideia de que basta comer bem para ser saudável não é verdade! Não pode ser verdade, porque o arquiteto precisa de dar instruções ao construtor e o construtor precisa de dar instruções aos trabalhadores para saberem onde colocar os alimentos. Temos de percorrer todas as etapas para construir a casa, porque ela é o templo da nossa alma.

Portanto só comer bem é uma ilusão?
Sim. Claro que faz a diferença, porque quando começamos a comer bom material deixamos o material não saudável. E por isso muita gente fica melhor. Mas não significa que fique saudável, porque para o conseguir é necessário muito mais trabalho: na mente, na orientação, no amor (eu quero ser este corpo!), no pensamento (como é que ele parece, qual é a sensação), nos sentimentos (quero amar, ter paixão). E é chegando aqui que criamos vida e experimentamos a vida. E em qualquer experiência que tenhamos de um pensamento, de um sentimento, qual é a lição que tiramos? O que aprendemos? É assim que podemos desenvolver sabedoria a partir do que experimentámos. E depois precisamos de descarregar essa experiência, tal como no sistema digestivo há muitos alimentos que entram, usamos a sua energia e depois descarregamos o que não usamos. Portanto, cada lição a nível espiritual, mental, físico, sensorial, sentimental, é para ser experienciada e depois descarregada. Mas ninguém ensina isso. Claro que há muitos métodos para descarregar. Uma mulher descarga uma ou duas vezes por mês com a menstruação. Uma pessoa evacua uma vez e urina várias vezes por dia. Mas respira 12 a 16 vezes por minuto. Por isso, para descarregar tudo o que aconteceu, o melhor é expirar o ar e depois inspirar, refrescar, e repeti-lo várias vezes. É assim que aprendemos a descarregar. Porque se não o fizermos, guardamos o sentimento, a emoção, o pensamento, a experiência, tal como na obstipação (prisão de ventre). E os sentimentos e pensamentos que não descarregámos voltam para trás. A maior parte dos problemas físicos da maioria das pessoas são do sistema digestivo. Porquê? Por causa dos alimentos errados, mas também da ausência de descarga. Por isso têm obstipação sensorial, sentimental e mental o tempo todo.
A Macrobiótica foi trazida para o Ocidente há cerca de 70 anos, mas hoje o seu impacto na sociedade ainda é pequeno. Porquê?
Porque a Macrobiótica não tem sido divulgada de forma completa. Tem sido demasiado focada apenas numa parte da realidade física - que obviamente é importante - em vez de estar aberta a toda a realidade. Se a Macrobiótica não ajudar as pessoas a crescer em todos os níveis da sua vida, elas não ficam satisfeitas, vão querer mais. Muitos professores de Macrobiótica são responsáveis por não terem dado resposta a isso. Quanto tempo foi dado ao estudo do aspeto físico da Macrobiótica, como comer e cozinhar? Muito. E, no entanto, entre o alimento físico, o mais importante é o oxigénio. Quantos ensinamentos houve relativamente a como usar a respiração? Muito poucos. No alimento físico temos minerais, proteínas, hidratos de carbono, água, mas o oxigénio é 86% do total. Que atenção se deu a isto? É o mais importante! E o que dizer das outras coisas, que são invisíveis e que precisam de tanta atenção? Mas deu-se mais atenção às coisas físicas, o que está incompleto, porque não toca nos sentimentos, nos pensamentos, no espírito das pessoas, enfim, toca numa minoria de aspetos. Se desse pelo menos igual atenção a todos os níveis do nosso espírito, seria completamente diferente.
FIM



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