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Eugénia Varatojo: “A mudança de hábitos de alimentação e de forma de vida não é tarefa fácil para a maioria das pessoas”

Atualizado: 13 de mai.

O Instituto Macrobiótico de Portugal (IMP) foi encerrado há três anos, depois de mais de quatro décadas de atividade em que se afirmou como uma das instituições macrobióticas mais conceituadas a nível internacional. Entretanto foi reativado, mas Eugénia Varatojo não está envolvida neste processo, apesar do seu papel decisivo no sucesso do IMP como diretora, professora de cozinha macrobiótica e consultora de orientação alimentar. Chegou a altura de ela fazer um balanço da sua nova vida e da situação do Movimento Macrobiótico (na foto, quando esteve num retiro de ioga e meditação na ilha de Bali, Indonésia, em 2024).


Como está a decorrer esta nova etapa da tua vida? Tive o privilégio de pertencer a esta instituição, o IMP, na companhia do Francisco, um ser humano extraordinário, de uma equipa de excelência e de milhares de pessoas que por lá passaram. Recordo esse tempo com nostalgia, mas também com muito carinho e sei que o contributo prestado pelo Instituto foi uma excelente ferramenta para as vidas de quem nos procurou. Foi um trabalho bonito com muita dedicação e amor, nem sempre fácil, mas muito gratificante.

Depois de termos encerrado as portas e um ciclo, sinto como se estivesse a viver uma outra vida, como se algo fosse interrompido e se iniciasse algo de novo. Por um lado, estou bastante curiosa com o que virá ao meu encontro, por outro lado vou fazendo alguns planos que gostaria de concretizar, enquanto por cá andar. Vamos ver o que se vai manifestando. Mas para levantar o pouco do véu sobre o que ainda gostaria de viver e de experienciar, estou a pensar seriamente em viver no campo, arranjar um terreno com uma casa, uma horta e um dome. Mexer na terra, respirar um ar mais puro, conviver com a família e amigos, pintar, ouvir música, dançar, caminhar, meditar e viajar muito.

Foi uma grande mudança e como sempre fui muito ativa, porque para além do Instituto tenho quatro filhos e uma neta, o tempo que por vezes restava não dava para muito mais do que o que estávamos a fazer. Tenho momentos que sinto que não estou a contribuir, não estou a acrescentar nada ao Planeta, ao próximo, mas no momento a seguir percebo que há que dar tempo ao tempo e acabo por apreciar e saborear cada momento, exatamente como se vai apresentando. A experiência de vida torna-nos mais empáticos e mais serenos.

 

Porque se sente tão pouco a influência na sociedade portuguesa das centenas de alunos de todo o país que ano após ano concluíram os cursos do IMP? E porque é que o impacto na sociedade global é tão reduzido, apesar de a Macrobiótica ter sido trazida do Japão para o Ocidente há mais de 70 anos?

A influência, na sociedade portuguesa, dos ensinamentos que o Instituto administrou ao longo de tantos anos, a meu ver, vai-se revelando aos poucos e marcando presença, mas a mudança de hábitos de alimentação e de forma de vida não é tarefa fácil para a maioria das pessoas. A sociedade, nos dias de hoje, tem uma oferta, no caso da alimentação, que apesar da má qualidade e de contribuir para a maior parte das doenças existentes, cativa a grande maioria das pessoas, por ser de fácil acesso e aditiva e barata. E para não falar dos grandes interesses económicos que estão por detrás de todo este tema, que daria pano para mangas.

A maior parte das pessoas que passaram e estudaram no Instituto, almejavam melhorar a sua própria condição ou a dos seus familiares ou amigos, para elas fazia sentido comer alimentos de melhor qualidade e adotar uma nova filosofia de vida que vai muito mais além do que cuidar de si próprio, porque passa também por cuidar de todo o ambiente à nossa volta.  

É verdade que se formaram muitos professores que hoje lecionam por todo o país, mas mudar mentalidades leva tempo e exige uma enorme dedicação dos formadores. Claro que a publicidade massiva, e na maioria das vezes enganadora, que a fast food promove a todos os níveis, não ajuda nada neste processo. Ao mesmo tempo, nunca houve tanto interesse pela alimentação natural e biológica, felizmente.

Ninguém está aqui para doutrinar ninguém e cada um de nós veio a este Mundo para viver a sua própria experiência e arcar com as consequências dos seus atos e escolhas. E estamos sempre a tempo de fazer melhores escolhas. Resumindo, as sementes ou ensinamentos dados no Instituto por tantos professores e, principalmente, todo o trabalho e formação ao longo de mais de 45 anos que o Francisco nos deixou, persiste no coração de cada pessoa que nos procurou e que mudou, criando uma vida mais saudável, ecológica, feliz e sustentável.

"Para a maior parte das pessoas que passaram e estudaram no Instituto Macrobiótico de Portugal, fazia sentido comer alimentos de melhor qualidade e adotar uma nova filosofia de vida que vai muito mais além do que cuidar de si próprio, porque passa também por cuidar de todo o ambiente à nossa volta"
"Para a maior parte das pessoas que passaram e estudaram no Instituto Macrobiótico de Portugal, fazia sentido comer alimentos de melhor qualidade e adotar uma nova filosofia de vida que vai muito mais além do que cuidar de si próprio, porque passa também por cuidar de todo o ambiente à nossa volta"

O Movimento Macrobiótico tem estado muito focado na transformação pessoal e em atividades individuais ou de pequenos grupos (tendência mais Yin), levando a uma grande dispersão de energia e pouca visibilidade pública, apesar de haver cada vez mais gente a apostar numa alimentação vegetariana, em produtos biológicos, em práticas espirituais e num modo de vida mais próximo da Natureza. Achas que é importante dar um sentido de comunidade e de organização coletiva (tendência mais Yang) ao Movimento Macrobiótico, para que a sua influência na sociedade seja maior?    

Claro que sim. Cada vez mais urge criar um sentido de comunidade e de organização coletiva. Um dos maiores propósitos de estarmos aqui é cuidarmos uns dos outros e de tudo o que nos rodeia, com empatia e amor e, para isso, quanto melhor nos organizarmos, melhor será a partilha e a vivência entre nós. A pouca visibilidade pública do Movimento Macrobiótico deve-se também ao fator mudança. Mudar comportamentos não é fácil e exige uma grande consciência pessoal e coletiva dos efeitos das nossas ações diárias na sociedade e na Humanidade. E uma grande parte das pessoas não quer, não ousa ou não está preparada para mudar. Mas creio que também isso vai ser alterado um pouco todos os dias. Assim seja e assim espero.

 

Temos assistido a crises globais sucessivas nos últimos anos: sanitárias (Covid-19), económicas (escassez e subida de preços dos combustíveis), ambientais (fenómenos meteorológicos extremos), alimentares (secas e falta de cereais devido à guerra na Ucrânia), políticas (mudanças constantes de Governo em muitos países) e de segurança (guerras na Ucrânia, Palestina, Sudão). Acreditas que ainda é possível construir um Mundo mais pacífico, justo, saudável, harmonioso e espiritual? E que papel pode ter o Movimento Macrobiótico?     

Acredito, cada vez mais, que é possível criar um mundo mais pacífico, justo, saudável, harmonioso e espiritual. Está, simplesmente, nas mãos de cada um de nós. Somos absolutamente responsáveis pela construção de uma vida mais harmoniosa e sustentável. Pode não ser fácil, mas é o caminho que temos de tomar e percorrer, antes que seja demasiado tarde.

Eugénia Varatojo no lançamento de "O Grande Livro da Macrobiótica", de Francisco Varatojo, a 19 de dezembro de 2023 na Livraria Buchholz, em Lisboa 
Eugénia Varatojo no lançamento de "O Grande Livro da Macrobiótica", de Francisco Varatojo, a 19 de dezembro de 2023 na Livraria Buchholz, em Lisboa 

 Ainda me lembro de me sentir impotente ao pensar que não conseguia mudar nada neste Mundo, mas cheguei à conclusão de que todos nós podemos fazer a diferença, agindo e dando pequenos passos todos os dias. As nossas escolhas diárias, mais conscientes, ecológicas e menos egocêntricas, serão o nosso melhor contributo em prol de um Mundo mais humanizado, saudável e pacifico.

A meu ver, a Comunidade Macrobiótica, ao longo dos anos, tem contribuído com uma diversidade de ferramentas a nível físico, mental e espiritual. São muitos anos a ensinar como comer melhor e de forma mais saudável, são muitos anos a ensinar um estilo de vida que visa respeitar, amar e cuidar de si mesmo, dos outros e do Planeta. Foram muitas sementes que chegaram ao terreno fértil e que deram e dão ainda hoje muitos frutos.

Foi um trabalho moroso, mas gratificante, e esse trabalho continua com um leque de professores que passaram pelo IMP ou por outras escolas, e que continuam a ensinar os princípios básicos da Filosofia Macrobiótica, através de disciplinas como culinária, exercício físico, meditação, shiatsu e tantas outras, que ajudam a uma maior compreensão, a viver uma Vida Plena nesta Terra tão magnífica e generosa, que nos premeia com tantas bênçãos e que merece todo o nosso respeito. Mesmo não sendo institucionalmente reconhecido, este trabalho de minorias é válido, grandioso e cada vez mais necessário.  


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© 2024 por Nuno Cesário

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