Estudo revela que a obesidade em Portugal afeta principalmente os mais pobres
- Virgílio Azevedo
- 21 de out.
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As desigualdades socioeconómicas da obesidade são mais acentuadas nas mulheres
Pessoas com profissões menos qualificadas são as mais atingidas
VIRGÍLIO AZEVEDO
A obesidade está mais concentrada em pessoas com menor escolaridade, rendimentos baixos e qualificações profissionais menos diferenciadas, sendo este padrão mais acentuado nas mulheres, revela o estudo “Desigualdades educacionais e de rendimento na obesidade entre as mulheres e os homens portugueses”, realizado pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP).
O estudo, publicado recentemente na revista internacional “Social Science & Medicine”, analisou a evolução das desigualdades socioeconómicas da obesidade na população adulta portuguesa ao longo de 21 anos. “Apesar da democratização do ensino e da sua obrigatoriedade até ao 12.º ano, a diferença na prevalência de obesidade entre quem não completou qualquer nível de escolaridade e quem concluiu o ensino superior aumentou”, conclui o estudo. “Quem estuda mais tende a ter melhores rendimentos, maior literacia em saúde e hábitos alimentares mais saudáveis, fatores que reduzem o risco de obesidade”.
Trabalhadores com profissões menos diferenciadas — como operários não qualificados, operadores de máquinas ou trabalhadores manuais — registam maior prevalência de obesidade do que profissionais em cargos executivos ou de chefia. Condições como stresse elevado, pouca autonomia, apoio social reduzido e trabalho físico exigente podem contribuir para estas diferenças.
Padrão mais acentuado nas mulheres
As desigualdades socioeconómicas da obesidade são mais acentuadas nas mulheres. Em Portugal, à semelhança do resto da Europa, apesar de as mulheres terem níveis de escolaridade superiores aos homens, estão mais presentes em setores laborais menos valorizados, com salários mais baixos e menos oportunidades de progressão na carreira.
Segundo a equipa do ISPUP, a obesidade continua concentrada nos grupos mais pobres, sobretudo mulheres, evidenciando a acumulação de desvantagens sociais, económicas e de saúde. Para além de estratégias individuais, são essenciais estratégias que melhorem as condições de vida da população.
Berta Valente, investigadora do ISPUP e primeira autora do estudo, afirma que “a redução das desigualdades socioeconómicas na obesidade exige estratégias eficazes de prevenção e gestão, desenvolvidas com a participação ativa da sociedade civil, da comunidade científica e dos decisores políticos”. Nesse sentido “é fundamental colocar a saúde no centro de políticas que vão além da esfera do Ministério da Saúde, como educação, emprego, habitação e proteção social”. Esta abordagem integrada e multissectorial “pode ser decisiva para promover a saúde da população e travar a perpetuação de desigualdades”.
A mesma investigadora, em declarações ao jornal “Público”, salienta que para as famílias com dificuldades económicas, a qualidade nutricional dos alimentos não é uma prioridade. “Para quem tem um emprego precário e não sabe se vai conseguir alimentar a família, o tipo de alimento não importa. O que importa é chegar ao fim do mês e ter o que comer”.
Taxa de pobreza caiu para 16,6 % em 2023
Em todo o caso, no âmbito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, assinalado a 17 de outubro, a Pordata, base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, revelou que a taxa de pobreza em Portugal caiu de 19,5% para 16,6 % entre 2013 e 2023. Os 16,6% equivalem a 1,8 milhões de pessoas a viverem em famílias com rendimento inferior a 632 euros mensais per capita.
Houve uma ligeira redução desta taxa relativamente aos 17% do ano anterior (2022), resultando sobretudo de um desagravamento nas famílias com crianças.
Calorias: portugueses comem o dobro do valor recomendado
A verdade é que os portugueses continuam a comer o dobro das calorias recomendadas para um adulto, revelam os dados da Balança Alimentar Portuguesa (BAP) entre 2020 e 2024, divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). “O aporte calórico diário médio por habitante em 2020-2024 permaneceu elevado - 4079 kcal (quilocalorias) - o que representa duas vezes o valor recomendado para um adulto com um peso médio saudável”, destaca o INE. Este é um valor muito semelhante ao do período de 2016-2020 (4075 kcal) e deve-se, em boa parte, ao consumo crescente de alimentos ultra processados em termos industriais.
Quando comparada com a Roda dos Alimentos recomendada pela Organização Mundial de Saúde, a BAP mostra desvios face ao consumo ideal. O maior excesso regista-se no grupo da carne, pescado e ovos, com 11,4% acima do recomendado. Já os grupos das hortícolas e dos frutos continuam em défice, com menos 8,1% e menos 3,7%, respetivamente.
Os dados mostram ainda um afastamento face ao padrão da Dieta Mediterrânica, especialmente durante a pandemia. O índice de adesão à Dieta Mediterrânica apurado em 2021 foi de 1,10, o que corresponde ao menor valor de toda a série estatística. De acordo com o INE, isto indica “um afastamento das disponibilidades alimentares para consumo como ainda não se tinha verificado desde 1990 em relação ao padrão da Dieta Mediterrânica”. Em 2022 registou-se uma ligeira recuperação e entre 2022 e 2024 o índice manteve-se estável, com um valor médio de 1,13.
Transformar o sistema de produção alimentar
Mas para conter as alterações climáticas é necessário mudar a alimentação. Um relatório da revista científica de medicina “Lancet” publicado no início de outubro, sobre “Sistemas Alimentares Saudáveis, Sustentáveis e Justos”, afirma que é impossível cumprir o Acordo de Paris relativo às alterações climáticas se não ocorrer uma transformação do sistema de produção alimentar a nível mundial, reduzindo nomeadamente o consumo de carne vermelha e açúcares e aumentando o consumo de cereais, legumes e fruta.
O conhecido cientista sueco Johan Rockstrom, que participou na coordenação deste estudo, considera que a transformação do sistema alimentar mundial, que representa 30% das emissões de gases com efeito de estufa, “é uma pré-condição para termos hipóteses de regressar a um clima seguro e a um planeta saudável”.





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