“A Conspiração das Compras”
- Virgílio Azevedo
- 12 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 13 de mai.
É o título de um documentário britânico que desvenda os truques que as grandes marcas utilizam para conseguir que os seus clientes consumam cada vez mais. E o impacto real que têm nas nossas vidas e no ambiente em todo o Mundo.

Resíduos plásticos no depósito de resíduos de Thilafushi, na República das Maldivas, Oceano Índico, a sudoeste da Índia. FOTO: Mohamed Abdulraheem
“BUY NOW! The Shopping Conspiracy” foi escrito e realizado por Nic Stacey e produzido por Flora Bagenal. Estreou na Netflix em Portugal em fevereiro de 2025 e foca-se em questões como o consumismo e a superprodução.
Lançado no Reino Unido em novembro de 2024, pouco antes da febre anual da “Black Friday”, o documentário da Netflix trata basicamente de expor o lado obscuro do consumismo, esclarecendo como as empresas tecnológicas modernas, os designers de vestuário e os negócios de comércio eletrónico fazem com que as pessoas comprem mais. E como os aterros sanitários e os depósitos de lixo de todo o Mundo estão a encher-se de roupas, tecnologia e utensílios domésticos indesejados.
De acordo com a organização sem fins lucrativos Or Foundation, mais de 15 milhões de peças de roupa indesejadas são enviadas todas as semanas para o Gana, país africano com 35 milhões de habitantes que é considerado um dos maiores importadores de roupa usada do Mundo. Feitas as contas, são 780 milhões de peças de roupa por ano! O documentário conta que a Or Foundation tem tentado limpar todos os resíduos têxteis da costa do Gana, onde há praias completamente cobertas de roupa descartada.
13 milhões de telemóveis descartados por dia Por sua vez, Nirav Patel, antigo empregado da Apple, afirma no documentário que, a nível global, são descartados diariamente cerca de 13 milhões de telemóveis, isto é, 4.745 milhões por ano. Como entre os 8.100 milhões de habitantes da Terra há 6.500 milhões que têm telemóvel, significaria que 73% destes habitantes mudariam de aparelho todos os anos, o que é um cenário muito improvável.

Sacos com telemóveis descartados no centro de resíduos eletrónicos de Agbogbloshie, nos subúrbios de Acra, capital do Gana (África). FOTO: Fairphone
Na verdade, há um excesso de produção e de lançamento de novos modelos pelos grandes fabricantes que é deliberado, planeado, e que tem como objetivo inundar o mercado para vencer a concorrência e fazer com que os consumidores comprem sempre mais através de uma estratégia de marketing muito agressiva. Isto significa, na prática, que há centenas de milhões de telemóveis novos que vão parar ao lixo todos os anos!
O que se passa com a roupa é semelhante. Um exemplo: em 2024 foram produzidas em todo o Mundo 25.000 milhões de T-shirts, o que daria uma média de 3 T-shirts compradas por cada habitante da Terra todos os anos. Ou seja, na prática uma parte delas vai também acabar no lixo.
O documentário de 84 minutos sublinha que as grandes empresas existem para obter lucro e não para servir a Humanidade. A voz de Sasha, uma assistente pessoal computorizada, guia o espectador através de cinco regras de maximização do lucro, que são: “Vender mais. Desperdiçar mais. Mentir mais. Esconder mais. Controlar mais”.
Como salientou um artigo sobre o documentário da revista norte-americana “Time”, “as empresas estão a manter os consumidores num ciclo vicioso de compras: anúncios apelativos incentivam as pessoas a comprar cada vez mais, e os produtos são concebidos para se deteriorarem rapidamente, reforçando ainda mais aquele ciclo”. E os responsáveis “da Apple, da Amazon e da Adidas reconhecem que as marcas estão focadas no consumo e que o seu trabalho é continuar a vender mais produtos”.
Combater o vício das compras O realizador Nic Stacey disse à “Time” que o tema do documentário “é um assunto incrivelmente sombrio, mas também queríamos encontrar alguma esperança nele e ajudar as pessoas a retomar o poder e a quebrar este ciclo de consumismo”. Assim, entrevistaram gestores como Paul Polman, antigo presidente executivo da Unilever, que tentou fazer mudanças na multinacional. “Mas é muito difícil vender aos acionistas a ideia de que a empresa não deve crescer tão depressa, não deve ganhar tanto dinheiro”. E é aí que entram os políticos, porque “as pessoas que elegemos têm responsabilidade e é necessária uma negociação, precisamos de começar a pensar essencialmente na saúde a longo prazo da nossa civilização”.

Trabalhadores no centro de resíduos eletrónicos de Agbogbloshie, no Gana, onde estes são queimados e desmontados sem quaisquer medidas de segurança ou de proteção ambiental. FOTO: Marlenenapoli
Flora Bagenal, produtora do “Compre já! A Conspiração das Compras!” justifica à “Time” que “são apresentadas intencionalmente muitas marcas diferentes no documentário para mostrar às pessoas que este é realmente um problema do sistema. Não é apenas uma empresa. É todo o sistema”. A produtora percebeu também “o quanto da nossa cultura e do nosso espaço público são dedicados às vendas”. Permitimos isso “porque dá dinheiro e é difícil abdicar dele”. E dá exemplos: “Aqui no Reino Unido, os conselhos do governo local ganham dinheiro com a publicidade, as empresas de transmissão televisiva ganham dinheiro com publicidade, e as pessoas ganham dinheiro com o seu conteúdo”.
É possível reduzir todo este o desperdício?
Mas afinal há alguma forma de resolver este problema, de reduzir todo este desperdício para além de se pedir aos consumidores que comprem menos produtos novos, reparem os que já têm ou comprem produtos em segunda mão? Nic Stacey espera que “as grandes empresas e as pessoas em posições de poder em grandes empresas vejam o filme, parem um pouco e percebam que a vida útil dos produtos é uma questão de enorme importância e que as empresas precisam de pensar criativamente em formas de prolongar a vida útil dos produtos que fabricam”. Por outro lado, “precisamos de uma mudança de políticas públicas, porque os governos podem ajudar ao criarem legislação adequada para gerir o fim de vida de um produto”.
O realizador recorda que houve histórias que acabaram por não ser incluídas no documentário. Um exemplo: “Falámos com um fabricante de vestuário em Hong-Kong que nos referiu um teste que faziam em cada peça nova há cerca de 15 anos: lavavam a peça 50 vezes para testar o seu desempenho, se durava bem, e depois fabricavam o resto do lote. Mas agora, já não o fazem. Isto mostra que já não pensamos na vida útil dos produtos”.
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